A febre das cinebiografias, que tem pegado forte tanto no Brasil quanto no exterior nos últimos anos, deixa uma questão fundamental em aberto: quem escolhemos eternizar? Tentando incluir algumas histórias LGBTIA+ importantes nesse filão, listamos 10 personalidades do movimento que precisam ganhar um filme já.
10. Audre Lorde
Filha americana de imigrantes caribenhos, Audre Lorde sempre se sentiu uma “excluída”, mesmo nos meios literários onde circulava, por ser “queer e louca, duas coisas que os outros achavam que iam sumir quando ela crescesse”. Ela cresceu, nada disso sumiu, e o impacto cultural da vida de Lorde é imenso. Do movimento afro-germânico, que ela ajudou a parir quando passou anos como professora em Berlim, aos escritos que expressavam sua identidade como “lésbica, mãe, guerreira, poeta” (em suas próprias palavras), passando pelos múltiplos confrontos do feminismo branco que excluía mulheres como ela, Lorde daria um filme brilhante.
Dica de casting: Marianne Jean-Baptiste, a estrela (também de ascendência caribenha) indicada ao Oscar por “Segredos e Mentiras”, seria perfeita para interpretar Lorde em seus anos na Alemanha e durante sua luta contra o câncer.
09. Bayard Rustin
O homem que ensinou a filosofia da não-violência para Martin Luther King Jr. e liderou a organização da histórica Marcha Sobre Washington em 1963, uma das figuras mais influentes e importantes do movimento de direitos civis negros dos EUA, era também um homem gay. Em grande parte por sua sexualidade (ele chegou a ser preso, em 1953, por fazer sexo com um homem -- o que era ilegal na época), Rustin foi apagado dos poucos registros cinematográficos que temos até hoje do movimento. Chegou a hora de desfazer essa injustiça.
Dica de casting: Billy Porter, é claro. Não precisamos dizer nada além disso.
08. Gertrude Stein
Figuras LGBTQ+ no cinema devem ser permitidas complexidade, e Gertrude Stein certamente foi uma mulher complexa. A novelista, poeta, ensaísta e colecionadora de arte lésbica, que viveu sua vida quase toda na França ao lado da parceira Alice B. Toklas, criou algumas das obras mais curiosas e fascinantes de sua época, confraternizou com gente como Matisse, Picasso e Scott Fitzgerald… e teve uma história duvidosa como colaboradora e protegida do governo pró-nazista da França durante a ocupação germânica na 2ª Guerra Mundial.
Dica de casting: Miriam Margolyes, a professora Sprout de “Harry Potter”, é uma das grandes damas da atuação britânica -- e uma mulher lésbica judia, exatamente como Stein.
07. Klaus Nomi
O documentário “The Nomi Song”, de 2004, ajudou a trazer uma das figuras mais interessantes da cena artística nova-iorquina dos anos 1980 de volta à posição destacada que ela merecia, mas Klaus Nomi ainda precisa de um blockbuster para chamar de seu. Sua arte, que misturava ópera e sintetizadores, teatro camp e um conceito alienígena, impressionou David Bowie (ele foi um dos backing vocals do cantor em uma performance em 1979, no “Saturday Night Live”) e encapsula uma época. Klaus também foi uma das primeiras celebridades a morrer por complicações da AIDS, em 1983, aos 39 anos.
Dica de casting: Olly Alexander é uma escolha óbvia. Ele tem o talento, a voz, o pendor teatral, e ficaria fantástico com a maquiagem característica de Nomi.
06. William Haines
Quando ouvimos sobre como Hollywood pressiona seus astros a nunca saírem do armário para não prejudicar suas carreiras, nunca ouvimos sobre William Haines. Um dos galãs mais populares dos anos 1920 e 1930, ele recebeu do chefe da MGM, Louis B. Mayer, um ultimato: ou aceitava um casamento de fachada, ou largava a atuação. Haines escolheu a segunda opção. Indo morar com o parceiro Jimmie Shields, ele abriu um negócio de decoração de interiores muito bem-sucedido, e viveu o restante da vida em anonimato. Joan Crawford, amiga íntima dos dois, os chamava de “o casal mais feliz de Hollywood”.
Dica de casting: Zachary Quinto. Esse é o papel pelo qual ele está esperando sua vida toda.
05. Stormé DeLarverie
“A mãe das lésbicas butch”, “a Rosa Parks do movimento LGBTIA+”, “a protetora das lésbicas no Village”: Stormé DeLarverie é (ou, ao menos, deveria ser) uma espécie de figura mitológica para toda pessoa LGBTIA+, e especialmente para toda mulher lésbica. Do nascimento como filha nunca reconhecida de uma criada negra com o patrão branco à adolescência como trabalhadora do circo, passando pelas performances em clubes LGBTIA+ de Nova York e pelo papel como incitadora fundamental da rebelião de Stonewall, em 1969, ela teve uma vida e tanto. Eternizá-la em um filme seria o mínimo que Hollywood pode fazer.
Dica de casting: Tessa Thompson não só faria jus ao estilo andrógino de Stormé nas telas, como também tem o estilo de atuação carismático e intenso que faria jus à sua história.
04. João Antônio Mascarenhas
O Brasil também tem personalidades LGBTIA+ que merecem biografia! Este gaúcho com alma carioca (tendo vivido boa parte da vida no Rio), advogado por formação, liderou em várias frentes o movimento gay brasileiro durante o seu período mais complicado: antes, durante e depois do surto da AIDS. Dois momentos que não poderiam faltar em um filme são a criação do jornal homossexual Lampião da Esquina, consequência da visita do editor gay Winston Leyland, de grande renome nos EUA, ao Brasil; e a sua participação na Constituinte de 1987-88, onde argumentou pela inclusão de uma lei contra a homofobia.
Dica de casting: Cássio Scapin pode ser o “eterno Nino” para muita gente, mas o ator (que é gay) já demonstrou talento em outros papéis e se encaixaria muito bem aqui.
03. Jorge Lafond
Ela mesma, a inesquecível Vera Verão. Jorge Lafond, um dos multiartistas mais talentosos e emblemáticos da história recente do Brasil, encantou o público com sua personagem extravagante no “A Praça é Nossa”, se tornando figura onipresente na mídia nacional do ínicio dos anos 1990 até 2002, pouco antes de sua prematura morte aos 50 anos. Lafond teve uma vida fabulosa para além de Vera, superando dificuldades e preconceitos na infância e encarnando outros personagens importantes, como o Bob Bacall de “Sassaricando”.
Dica de casting: O lindíssimo e talentosíssimo Ícaro Silva sem dúvida faria um trabalho maravilhoso no papel.
02. Walt Whitman
Com a identidade LGBTIA+ até então inexplorada de gigantes da literatura como Virginia Woolf (em “Vita & Virginia”) e Emily Dickinson (em “Wild Nights with Emily”) se mostrando terreno fértil para o cinema indie, esperamos um dia ver uma biografia honesta de Walt Whitman, um dos maiores poetas norte-americanos -- e ícone bissexual. O autor do clássico “Folhas de Relva” cultivou uma imagem de amor livre associado à natureza muito antes dos hippies, registrando affairs com homens e mulheres durante a vida, mesmo que nunca tenha se casado ou assumido um romance publicamente.
Dica de casting: O sempre maravilhoso Nathan Lane encarnaria o poeta americano com a presença de espírito que ele merece.
01. Sylvia Rivera
Embora a presença de Sylvia na rebelião de Stonewall seja uma controvérsia até hoje entre os historiadores e estudiosos do momento, é inegável que ela foi uma figura gigante no ativismo LGBTIA+ antes e depois de 1969. Com o tempo, Sylvia, que concentrava sua atividade política na luta das pessoas transgênero e das pessoas sem-teto, se tornou uma figura simbólica da alienação dos elementos radicais na luta política LGBTIA+ quando ela procurou se tornar mais “mainstream”. Não havia espaço para ela, ou para as questões que ela defendia, nas organizações lideradas por homens gays brancos que procuravam assimilação e respeitabilidade política. Historicamente, isso ainda precisa ser corrigido.
Dica de casting: Hailie Sahar, a Lulu de “Pose”, fez um bom trabalho como Sylvia na série “Equal”, e suas colegas de elenco Mj Rodriguez e Indya Moore também mandariam bem (todas as três tem ascendência porto-riquenha, como Sylvia). Mas, se vocês me perguntarem, esse papel foi feito para Rain Valdez, estrela indicada ao Emmy da série “Razor Tongue”.
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