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Arthur Avila

Touch this skin

Atualizado: 23 de set. de 2020

É difícil dizer, ao certo, quando e onde começou a cultura drag. Alguns diriam que surgiu durante o século XVI, no Japão, com o Kabuki – teatro caracterizado por ser feito exclusivamente por homens, incluindo as personagens femininas –, outros afirmariam que as primeiras drags surgiram na Inglaterra, em 1870, após os amigos, Ernest Boulton e Frederick Park, saírem às ruas vestidos de, respectivamente, Stella e Fanny.

Foto por Luca Weingärtner

Por causa disso, os dois ficaram presos durante quatro meses por sodomia, só por serem homens com “roupas de mulher”. Historicamente, as drag queens são resistência. Na Revolta de Stonewall (Nova Iorque, EUA, 1969), as drags e as mulheres transexuais foram as primeiras a jogarem pedras nos policiais, após a polícia ter fechado o bar Stonewall, que era point da comunidade LGBTQ+, e tentarem levar presos todos os homens e mulheres que estivessem travestidos.


O “início” do movimento, no Brasil, ocorreu durante o século XX, no mesmo século que nos Estados Unidos. Durante o período de ditadura militar, o delegado José Wilson Richetti utilizava de rondas policiais para perseguir “homossexuais”. Travestis, transexuais, bissexuais, lésbicas e todas as letras do acrônimo LGBTQ+ eram considerados “homossexuais”. Caso estas pessoas usassem roupas do gênero oposto, elas eram muitas vezes levadas e fichadas por “atentado à moral e aos bons costumes”.

“Ser drag é você sair de uma caixinha. Uma caixinha não apenas estética. Além de fazer você ter uma visão diferente sobre si próprio, sobre seu corpo, ser drag é político, é arte.”

Ginger tem 21 anos, é atriz e bailarina e sempre conviveu no meio, mesmo antes de começar a se montar aos 19 anos. Por trás desta queen burlesca há Bruna Alves, mulher cis que, além de sofrer preconceito por se montar, é constantemente julgada pelas próprias comunidades que compõem o LGBTQ+ e drag, que ditam que esta arte só pode ser realizada por homens.


Foto por Luca Weingärtner

“Por que só homens? Já basta a mulher ser atacada sempre só por ser mulher. O espaço é nosso por direito. É uma expressão artística e, mesmo assim, eu tenho sempre que mostrar mais. Se eu colocar um vestidinho, vão dizer que não é drag, mesmo que muitos homens que se montam façam isso. A pessoa não sabe fazer um delineado e vem falar que eu não posso, só por causa do meu gênero. E pra quem fala que mulher não pode fazer drag: nós já estamos fazendo e você não pode nos parar”, aponta ela.


Ginger Moon faz parte do grupo Riot Queens que é composto por mulheres que se montam. Elas fazem performance, cantam, dançam e atuam em casas noturnas. Para Ginger, a performance tem início no momento em que ela começa a cobrir seu rosto com maquiagem.


Foto por Luca Weingärtner

Para Shady Jordan, drag queen, modelo, beauty artist e wigmaker (profissional que confecciona perucas), drag não tem limitação, é você ser livre. Para ela, o que mais gosta em se montar, é criar o look. Cabelo, roupa e maquiagem são seus itens preferidos. Ela pode levar até quatro horas para se pintar, caso seja uma maquiagem mais elaborada. Para ir a balada, ela diz que duas horas são suficientes para o processo todo de produção.

“É uma expressão interna transformada em visual, performance e tudo o que você quiser. Em qualquer lugar do mundo você vai sofrer por ser diferente de um padrão estético preestabelecido. Já sofri por ser asiático, por ser gay, por ser drag. Dentro de casa, minha família foi aceitando e admirando o que eu faço com o tempo. É o que eu amo fazer, eu tenho que ser respeitado.”

Quando começou a se montar, Shady, ainda estava no ensino médio. Com 17 anos ela viu perfis de drags brasileiras nas redes sociais e começou a treinar maquiagem em casa, até ter idade suficiente para entrar nas baladas. Já tinha perucas que não usava e desenhava roupas desde criança. Hoje, com 21 anos, Shady desenha ou faz a maioria de seus looks.


Àquelas que não possuem uma “mãe-drag” (queen que ajuda outra a se montar pela primeira vez), a internet pode ajudar. Queens como Lorelay Fox e Bianca DellaFancy, possuem página nas redes sociais, com dicas, tutoriais, relatos, reflexões e humor.


Foto por Luca Weingärtner

A drag queen LaMona Divine diz que este tipo de trabalho ainda é muito desvalorizado. Reclama que os produtores de festas e eventos não querem pagar o que elas realmente merecem por sua arte. Hoje ela tem 28 anos (começou a se montar com 24) e sua drag é sua única fonte de renda.

“Querem impor um preço tabelado pela nossa arte, o que é me entristece muito, porque cada artista tem o seu valor, o seu tipo de trabalho, e fazer drag no Brasil é algo bem caro.”

Mas ainda assim, ela ama o que faz. “Eu sou uma artista de palco, a LaMona é performática. Minha performance favorita é uma que fiz, em 2016, no palco da Bluespace – meu sonho era performar naquele palco – inspirada na Jessica Rabbit e na Satine, de Moulin Rouge. Foi um processo longo até aqui, porém eu sempre quis dar um passo de cada vez, me respeitar, respeitar minha identidade e tudo o que eu acredito, então posso dizer que tiverem momentos dolorosos, mas muitos outros prazerosos. Glamour para mim é um sentimento de bem-estar e poder, que vem de dentro e exala por onde você passa. Vai além do look, é uma sensação que as pessoas sentem em você”, afirma ela.



A POPULARIZAÇÃO


“Sempre fui uma pessoa bastante criativa. Eu havia acabado de me formar na faculdade de moda e entrar no mercado de trabalho. Sentia muita falta da parte de criação na minha vida então, depois de assistir alguns episódios de RuPaul’s Drag Race, eu canalizei tudo que eu queria nessa persona que hoje é a LaMona Divine e ela me deu esse respiro que eu tanto precisava”, diz Lamona.


Em 2009, começou a ser transmitido nos Estados Unidos o reality show RuPaul’s Drag Race, apresentado pela drag queen, RuPaul Charles. No programa, drags são convidadas a competir entre si e na final, a vencedora é coroada como “America’s Next Drag Superstar” e leva para casa a quantia de 100 mil dólares. O programa se tornou um sucesso mundial e já está em sua 10ª temporada (sem contar os spin offs).


A partir disso, a cultura drag cada vez mais deixa de ser um tabu e algo que fica enclausurado dentro das casas noturnas. Elas passam a apresentar programas de televisão, a cantar para plateias lotadas, atuar em novela em horário nobre, apresentar programa de culinária e assim por diante.


A cantora Pabllo Vittar, por exemplo, começou sua carreira de cantora fazendo uma versão abrasileirada da música “Lean On”, do dj e produtor americano Diplo. Suas músicas foram conquistando o público brasileiro e agora inicia sua carreira internacional. Já performou diversas vezes na TV aberta e ganhou prêmios por causa de sua música. No Instagram, ela possui mais seguidores do que a própria RuPaul e seus vídeos são os clipes com músicas originais interpretadas por uma drag queen mais assistidos da história do YouTube.


Em 1987, aqui no Brasil, já podíamos assistir uma drag queen em emissora televisiva aberta. O programa “A Praça é Nossa” começava a ser transmitido pelo SBT. A ideia do programa era simples: o apresentador Carlos Alberto de Nóbrega ficava sentado no banco de uma praça e diversas personagens passavam por ali. Vera Verão era divertida e irreverente, sempre com a maquiagem carregada e roupas coloridas. Jorge Lafond, o ator criador da Vera Verão, ficou no programa até 2003, quando faleceu por conta de um infarto fulminante. Seu bordão no programa continua ecoando na memória dos brasileiros: ÊÊÊÊPPPAAA!!! Bicha não!


*Texto publicado originalmente na Edição #02

da Fearless Magazine, em abril de 2018

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