Desde os primórdios da televisão no Brasil, o apresentador Silvio Santos mostra homens fazendo drag no seu programa de auditório no SBT. Nomeada Concurso de Transformistas, a atração é uma competição de dublagem e beleza que concede prêmios para as candidatas mais aplaudidas pelo auditório.
Na época de estreia do quadro, em meados dos anos 80, drag queens estavam longe do mainstream, aparecendo na televisão apenas para serem exibidas ao público.
“O Silvio Santos foi pioneiro em colocar drag queens na TV. Eram atrações, como bizarrices, meio que num ambiente de circo. Você não pode esperar que Silvio Santos promova discussões profundas e objetivas sobre temas”, afirmou a cartunista Laerte Coutinho em entrevista ao site Notícias da TV em julho de 2018.
Do circo de Silvio Santos até os dias de hoje, drag queens têm ganho cada vez mais notoriedade na televisão, abandonando a exposição banal para chegar ao protagonismo e mostrar os problemas e anseios da comunidade LGBTQ+.
Tudo começou em fevereiro de 2009, quando RuPaul Andre Charles deu largada na maior revolução drag da televisão. Rupaul’s Drag Race foi lançado como um reality show que mistura Project Runway com America's Next Top Model, mais o carisma, singularidade, coragem e talento de drag queens.
Depois de dez anos, doze edições e mais de cem candidatas, uma leva de drags queens surgiram por influência do Drag Race.
“Quando eu assisti Rupaul’s Drag Race, eu descobri o fazer artístico da drag, que reúne em si o fazer artístico do ator, do figurinista, do peruqueiro, do maquiador, do coreografo, do diretor, tudo em um só. Foi aí que eu me desafiei a começar minha drag”, conta Rita von Hunty em entrevista para Fearless Magazine.
Rita, junto de Ikaro Kadoshi e Penelopy Jean, estão iniciando sua própria revolução drag no Brasil. Lançado em novembro de 2017 pelo canal E!, o programa Drag Me As a Queen – Uma Diva Dentro de Mim! reúne as três na transformação de mulheres em drag queens.
“A premissa do programa é que a arte salva vidas. Enquanto drag queens somos parte de uma minoria, e somos uma minoria minorizada. As mulheres são a maioria do planeta, mas são uma maioria minorizada. Temos muito em comum no sentido de como o mundo nos vê. Para mim, o formato do programa é único, inovador, quebra barreiras no que diz respeito ao humano e nos faz refletir o que fazemos com as mulheres do século 21”, afirma Ikaro Kadoshi para Fearless Magazine.
Ikaro começou sua carreira como drag queen em novembro de 2000. Quando conheceu uma drag queen pela primeira vez aos 16 anos de idade, ele soube que estava predestinado a vida como drag.
“Foi algo que me tocou muito. Principalmente pela função social que uma drag queen tinha naquela época. Elas faziam correio elegante, não deixavam pessoas sozinhas, eram a alma, alegria e o coração do ambiente. Eu sabia que meu destino de alguma maneira estava ligado ao que eu via. De que eu havia sido criado para aquele fim”, conta Ikaro.
Sabendo que também estava predestinada a vida como drag, a bancária Miriã Bueno viu no Drag Me As a Queen a chance de realizar seu sonho. “Quando eu soube do programa, eu vi que aquela seria minha chance. Eu tinha o sonho de ser maquiada pela Penelopy, eu adorava o estilo da Rita e sempre fiquei muito emocionada pelas performances do Ikaro”, disse Miriã Bueno, que também conheceu a arte de fazer drag por meio do Rupaul’s Drag Race.
“Quando eu assisti Rupaul’s Drag Race meus olhos abriram, eu comecei a ver drag como arte, criei uma empatia, achava o máximo toda transformação e história de vida que eram mostradas no programa. Isso foi me ajudando a abrir novas possibilidades. Na época que eu conheci a Priscilla, que é uma festa que traz as drags do Drag Race para o Brasil... Eu fiquei louca, achei o máximo, e quando eu vi uma menina montada na festa, eu falei: se ela pode eu também posso”, narra Miriã.
Após participar do último episódio da primeira temporada do Drag Me As a Queen, Miriã Bueno recebeu o nome drag de Morana Evermore, além da chance de seguir com seu sonho. Depois de fazer um curso de DJ, Miriã toca em festas por todo o estado de São Paulo vestida como Morana.
“Eu não esperava levar para o lado profissional, mas as coisas simplesmente foram acontecendo. No começo, eu tinha muito medo de não ser aceita, mas hoje eu toco em uma das festas drag mais respeitadas e conhecidas de São Paulo, a Priscilla”, conta Miriã.
Outra vida que mudou por conta do Drag Me As a Queen é a de Letícia Daniel, que participou do segundo episódio da primeira temporada e recebeu o nome de Clara Poirot.
“O programa foi um divisor de águas, existe um antes e um depois da gravação. As meninas são verdadeiras fadas madrinhas, elas me ajudaram a encontrar a Clara e através dela eu tenho vivido e me tornado uma pessoa mais destemida, mais bem resolvida e mais feliz. Elas me ajudaram a encontrar uma parte de mim que, de tão soterrada em medos, complexos e inseguranças, nem eu sabia que existiam. Essa parte tem nome – Clara Poirot, forma e vem complementando minha vida e me ajudando a tomar decisões, a crescer e a me (re)descobrir e eu não trocaria isso por nada no mundo”, declara Letícia para Fearless.
A segunda temporada de Drag Me As a Queen – Uma Diva Dentro de Mim! começou a ser gravada em julho, porém ainda não possui data de estreia. O que esperar para próxima temporada? Mais mudanças de vida e outras revoluções. “Vocês podem esperar novas histórias que farão vocês reverem seus comportamentos e suas vidas”, afirma Ikaro Kadoshi.
*Texto publicado originalmente na Edição #03
da Fearless Magazine, em agosto de 2018
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