Argentina aprova lei que garante o direito ao aborto legal e seguro para pessoas com útero, Coréia do Sul descriminaliza depois de 67 anos de proibição.
“¡Abajo el patriarcado, que va a caer, que va caer! ¡Arriba el feminismo, que va a vencer, que va a vencer!”, bradavam as Hermanas argentinas no penúltimo dia de 2020. Depois de anos de luta para conquistar o direito legal e seguro ao aborto, o movimento feminista e popular argentino finalmente conseguiu pressionar o estado para aprovar uma lei digna de aplausos.
Em 2018, o projeto que visava legalizar o aborto no país vizinho tinha conseguido ser aprovado na Câmara dos Deputados e foi vetado no Senado. No mesmo período as brasileiras também pressionavam o estado para a provação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que visava descriminalizar o aborto no Brasil, sendo vetado na audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF).
Já do outro lado do mundo, na Coréia do Sul, o aborto também foi descriminalizado. Após 67 anos, foi retirado da constituição sul coreana a criminalização do aborto, conquista duramente conquistada pelas ativistas coreanas. Infelizmente, o movimento “pró-vida” já começou articulações para tentar impedir que a descriminalização do aborto continue vigente no país.
No Brasil, a pauta aborto legal e seguro é quase que um fetiche do atual governo federal. Um dia após a aprovação da nova lei na Argentina, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou no Twitter que: “Lamento profundamente pelas vidas das crianças argentinas, agora sujeitas a serem ceifadas no ventre de suas mães com anuência do Estado. No que depender de mim e do meu governo, o aborto jamais será aprovado em nosso solo. Lutaremos sempre para proteger a vida dos inocentes!”.
Neste primeiro artigo de 2021, venho propor aos querides leitores da Fearless.etc uma reflexão sobre a necessidade de lutar pelo aborto no Brasil.
O útero ainda é um órgão controlado pela moralidade cristã, imposta pelo colonialismo europeu há mais de 500 anos. É completamente sinistro pensar que na segunda década dos anos 2000 as pessoas com útero ainda não têm o direito sobre seus próprios corpos. As mulheres ainda são obrigadas a viver sobre a lógica da maternidade compulsiva, ser mãe não deveria ser um fardo, mas sim uma escolha.
Todas as pessoas – independente do gênero e orientação sexual – têm o direito de escolher se querem ou não exercer a maternidade e paternidade. As pessoas deveriam ter o direito de ter uma gravidez porque querem ter, e não porque são obrigadas a gestar uma criança. Existem diversos motivos pelo qual pessoas com útero e – principalmente - mulheres são obrigadas a continuar uma gestação.
Precisamos entender que o aborto já acontece no Brasil. Seja através de remédios fortíssimos que destroem o organismo das pessoas que o usam, seja por médicos clandestinos que muitas das vezes trabalham com condições precárias pela ilegalidade. A falta de estrutura para a realização de um aborto provoca não somente a morte dessas pessoas, mas caso continuem vivas podem sofrer com traumas psicológicos e físicos.
O que deveria ser um procedimento relativamente tranquilo torna-se um fardo. A culpa cristã, a vergonha das próprias escolhas, podem transformar a vida de qualquer uma em um grande inferno psicológico.
Sabe o que mais me entristece? Saber que boa parte das mulheres que abortam no Brasil são mães com mais de um filhe, que não querem ou não podem continuar uma gestação. São mulheres negras e periféricas, ou pessoas com útero (que não se identificam como mulheres) que estão morrendo todos os dias por conta de um aborto ilegal.
Aborto legal e seguro é sobre saúde pública. Nós estamos morrendo porque não temos o direito sobre nossa vida, nossos corpos.
Gostaria de lembrar aos leitores que aborto não é uma pauta identitária. Todas as pessoas deveriam lutar para que esse direito seja conquistado, não somente pela vida das mulheres - que está constantemente ameaçada – mas pelo direito aos corpos livres, por uma sociedade mais justa. Aborto também é uma pauta antirracista, tendo em vista que a maioria das pessoas que morrem pela ilegalidade são as negras e periféricas.
E claro, vale lembrar que aborto é uma pauta ANTICAPITALISTA. O útero é visto como somente órgão reprodutor dentro do capitalismo, colocando ainda mais pressão sobre o prazer uterino, e principalmente sua liberdade. Não somos somente animais que se reproduzem e essa lógica impede que toda uma cadeia de desenvolvimento humano ocorra de forma saudável.
Precisamos reconquistar o direito aos nossos corpos, urgentemente.
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