Mais um final de semana chega na grande São Paulo e com ele as casas noturnas se aprontam para dar início as suas agendas de festas. Entre os bairros da Vila Madalena e Bela Vista há uma grande concentração de boates LGBTQ+, mas nos últimos anos a região da República e do Anhangabaú vem ganhando os holofotes dos organizadores do meio underground, conquistando, assim, notoriedade.
Ambientes menores e menos trabalhados – mas sem perder a característica de boate, estão atraindo cada vez mais o público LGBTQ+. As festas que, por sua vez, estimulam o autoconhecimento e contribuem na busca pela autoaceitação estão crescendo, isso devido ao ambiente que esses locais proporcionam – fazendo com que os frequentadores possam se expressar por meio da dança, vestimenta, maquiagem, atitude e sexualidade. Destoando das grandes e famosas boates da cidade que já tem um público definido e mais elitista.
Fazer parte da comunidade LGBTQ+ no Brasil é algo desafiador por si só. Isso torna-se mais complexo quando se vive de modo a divergir dos padrões socialmente impostos e coloca-se em posição de visibilidade. Daí a importância desses “rolês” desconstruídos e undergrounds, onde o que importa é viver o presente, tendo um refúgio e silenciando, mesmo que brevemente, todas as pressões sociais.
Na noite de17 de fevereiro de 2018, em uma rua pouco movimentada do coração da metrópole, aconteceu o Baile em Chernobyl + 1000 ºc. A festa é a junção de dois movimentos voltados ao público queer (pessoas que não seguem o modelo de heterossexualidade ou de binarismo de gênero) e a comunidade negra. Uma importante atitude adotada por esses coletivos e que vem ganhando espaço nos últimos meses é a entrada gratuita de transgêneros e travestis nos eventos, visando facilitar a inclusão dessas pessoas no meio LGBTQ+ e diminuir a lacuna que separa esses grupos da comunidade em que deveriam encontrar pertencimento.
Para entender melhor o surgimento da festa conversamos com Eric Oliveira, fundador do Baile em Chernobyl. Através de troca de mensagens o jovem produtor explicou o projeto, sua importância, representatividade e metas futuras.
Como surgiu o Baile em Chernobyl?
O baile surgiu na ideia de fazer uma festa para comemorar a minha sobrevivência, porque tinha passado por um momento bem difícil da minha vida onde eu achei que não teria mais saúde mental para continuar. Chernobyl é um tipo de xingamento que umas gays de uns grupos da internet usam para zoar as gays estranhas ou fora do padrão, usam também para tirar sarro qualquer pessoa fora do padrão de beleza deles. Acabei usando esse nome e assumindo que sim, nós somos bichas estranhas, corpos negados e nos amamos.
Qual a identidade da festa e o principal objetivo com sua realização?
A identidade é ser uma festa queer, acho que essa palavra já abrange tudo que é a estética da festa. O objetivo é ser um espaço democrático, onde todos sintam-se bem e enalteçam essa cultura.
Como surgiu a parceria com a 1000 ºC? Vocês compartilham das mesmos ideais?
A parceria com a 1000 ºC foi por ser uma festa que eu já frequentava, adoro toda a ideia da festa. Assim como o Baile em Chernobyl a festa 1000 ºC sempre teve um público mais alternativo, então o público quase sempre é o mesmo. Temos também a mesma política de que nenhuma pessoa trans vai pagar a entrada.
A localização da casa é levada em consideração para a realização da festa?
Bom, as casas ainda são bem centralizadas, mas não temos o costume de fazerem lugares como Vila Madalena ou Rua Augusta. As festas mais undergrounds também estão bem aglomeradas ali pela República, mas a ideia é conseguir fazer algumas edições em algumas quebradas de São Paulo.
Qual o maior desafio que já foi ou ainda é enfrentado?
O maior desafio é conseguir a confiança dos donos das casas, por eu ser uma bicha preta e de apenas 19 anos, não é fácil os caras confiarem e deixarem fazer a festa no espaço deles.
Quais os planos futuros para o Baile em Chernobyl?
Um dos maiores planos da festa é conseguir fazer edições 0800 (gratuitas), para todos que possam colar e aproveitar o rolê.
Slim Atlantis
Quando surgiu a festa 1000ºC?
A Festa Mil Grau surgiu em julho de 2017 com o intuito de comemorar o aniversário da Slim Soledad, que é uma das mentoras da festa, junto com Lolla Venzon, Mari Ferrucci, Luna Abellan e Ana P. Oliveira.
Qual o principal objetivo da festa?
O objetivo é ser não apenas uma festa e sim um acontecimento. Cada edição ser um acontecimento diferente, causando a sensação de que o público faça parte do evento e não sendo um simples convidado.
Quem é o público alvo?
Nós visamos um público alvo sendo: mulheres, pretas, bixas (sic), sapatonas, travestis e todo contexto LGBTQI+, toda essa comunidade de pessoas que vivem às margens do social. Como política de inclusão disponibilizamos uma lista VIP para pessoas trans e travestis.
A localização da casa é levada em consideração para a realização dos eventos?
Sim, buscamos locais de fácil acesso ao público, pois sabemos que a maioria usa transporte público. Outro ponto que levamos em consideração é a migração do clube para outros espaços diferenciados, como cines pornôs, estacionamentos e ocupação do espaço público.
Qual o maior desafio que já foi ou ainda é enfrentado?
Nosso primeiro maior desafio foi realizar uma edição do evento em um estacionamento em conjunto com a festa TORMENTA, em que transformamos um lugar que seria utilizado apenas por carros em um espaço festivo, com banheiros, segurança, iluminação entre outras estruturas. Tivemos prejuízo, mas a festa foi linda e perfeita, estávamos entre amigas e conseguimos transformar essa união em celebração. Outro grande desafio foi participar do SP NA RUA, não contávamos que conseguiríamos participar, fora muita correria atrás de documentos, estruturas, artístico, confrontos entre participantes, porém no fim conseguimos realizar algo maravilhoso, junto às meninas do Coletivo Bandida e Club Tormenta.
Quais são os planos futuros para a festa?
O próximo projeto em desenvolvimento é um Circuito de Quebradas, locais afastados do centro. A ideia é levar um pouco da cena que acontece pela região central para esses espaços. A primeira edição da festa será em Guarulhos (Zona Norte), que ocorrerá no final de março, tendo outras nos próximos meses em Osasco, Capão Redondo e Jundiaí.
A festa pretende contribuir para o autoconhecimento e a libertação dos clientes? Se sim, como?
Acreditamos que o evento em si já é um movimento de autoconhecimento e libertação, sendo um encontro em que as potências se somam, havendo uma multiplicidade de trocas, aprendizados e respeito.
*Texto publicado originalmente na Edição #02
da Fearless Magazine, em abril de 2018
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