"Generation" começou simplesmente fabulosa.
Em uma era na qual a TV norte-americana está especialmente interessada na juventude LGBTIA+ da geração-Z, a série da HBO Max trouxe uma visão desse grupo social idealizada por alguém de dentro, e não de fora: Zelda Barnz, uma jovem bissexual de 19 anos de idade, que criou a série ao lado do pai, Daniel Barnz.
A diferença entre "Generation" e títulos como "Euphoria" e "Grand Army", que abordam temas parecidos, ficou clara desde o início. Misturando comédia e drama com muito mais desapego e ousadia do que as visões sombrias das outras séries adolescentes "sérias" do cenário atual, "Generation" simplesmente soa muito mais autêntica à vida desses adolescentes, e à forma como eles veem um mundo que, mais do que nunca, desaba ao redor deles.
A adolescência retratada por Barnz aqui tem tanto de universal quanto de específico. A geração-Z experimenta muitas das dores de crescimento que são comuns à condição humana, um sentimento de desorientação e uma intensidade emocional que são imediatamente identificáveis para qualquer um que já teve essa idade - mas ela também é única em muitos sentidos.
A fluidez das identidades sexuais, e a segurança dentro dessa fluidez, por exemplo, são adições novas ao cânone da adolescência midiática. Barnz, compreendendo essa fluidez muito melhor do que seus colegas mais velhos que buscam escrever sobre adolescentes, criou uma galeria de personagens maleáveis, mas também intransigentes em suas certezas sobre cada identidade que assumem. Uma decisão que fez a série tão fascinante quanto instrutiva.
E daí temos Nathan, o personagem de Uly Schlesinger na série. "Generation" é a rara produção televisiva com um protagonista masculino bissexual - sem diminuir os problemas de representação sofridos por qualquer outra população LGBTIA+, que são sérios e persistentes na paisagem midiática atual, há de se admitir que a virtual inexistência de homens bi na TV e no cinema fala muito alto.
Nathan parecia ter chegado para preencher esse vazio. E, não me levem a mal, ele ainda pode preencher, de muitas maneiras, para muitas pessoas. A forma como "Generation" o entende, no entanto, e o coloca dentro da trama, me parece (e deixo aqui amplo espaço para que a série me prove errado no restante de sua temporada) indicativa de um problema maior na nova era de TV adolescente LGBTIA+ que estamos vivendo.
Para começar, é notável como o personagem de Schlesinger é consignado como o "outsider" da turma. E não é que sua sexualidade seja invalidada - de fato, "Generation" várias vezes sai do próprio caminho para afirmá-la, como inclusive a geração-Z tem o hábito de fazer. Ainda assim, e mesmo em uma série que (apropriadamente) retrata todos os seus adolescentes como verdadeiros agentes do caos, a suposta confusão de Nathan é mais elementar, mais integral para a trama.
A crúcis da história dele na série, pelo menos até agora, é sua paixão pelo protagonista Chester (Justice Smith), traduzida em tela por momentos quase sinestésicos em que entramos na percepção do personagem e observamos close-ups de partes do corpo do seu colega, em câmera lenta, enfatizando toques e trejeitos. A possibilidade de um envolvimento romântico entre os dois, no entanto, nunca parece real - e, por isso, Nathan "faz a fila andar" e fica com Arianna (Nathanya Alexander).
Poupando detalhes, "Generation" posiciona a relação de Nathan com Arianna como uma enganação, uma trapaça. Afinal, ele se sente atraído por Chester, logo é inconcebível que esteja com outra pessoa, ainda mais com uma mulher. "Ele está te enrolando", dizem as amigas de Arianna (todas LGBTIA+ ou aliadas, diz a série) quando percebem a situação. Queiram os roteiristas da série ou não, esse é o texto e o subtexto dessa fatia da trama.
E que texto infeliz. A ideia de que pessoas bissexuais são mais propensas à traição, ou a sentir atração por outras pessoas enquanto estão em um relacionamento comprometido, é acima de tudo eminentemente falsa. A realidade é que todas as pessoas, de todas as orientações sexuais, sentem atração por outras pessoas quando estão namorando. A libido de ninguém se torna totalmente voltada a uma só pessoa ao colocar uma aliança de compromisso no dedo.
Pessoas bissexuais são tão propensas a agir sobre essas atrações quanto pessoas heterossexuais ou homossexuais. O risco é o mesmo - é da condição humana, não da condição bissexual. Mas, porque pessoas bissexuais podem sentir atração por pessoas de gêneros diferentes daquele com o qual o seu atual parceiro se identifica, essa atração é lida (na ficção e na realidade) como mais grave, como uma enganação, como uma ofensa.
Não me levem a mal: não é que personagens bissexuais na ficção não possam ser imperfeitos, ou de fato que eles não possam ser simplesmente adolescentes caóticos que machucam outras pessoas em meio a esse caos (a maioria de nós com certeza foi), mas será que é preciso contar essa história em específico sobre eles, de novo e de novo? "Generation" me parecia melhor do que isso, capaz de encontrar conflito e verdade para além dos estereótipos. Eu achei que essa nova era da televisão LGBTIA+ pudesse não só nos incluir, mas nos respeitar.
Mas talvez eu não devesse estar surpreso: sempre foi exaustivo investir em personagens bi na ficção. Sempre foi desgastante, emocionalmente, assistir enquanto preconceitos são confirmados, e narrativas que eu ouvi e tive que negar milhões de vezes na vida real são reforçadas, endossadas, até pelas produções que deveriam ser inclusivas, que deveriam estar aqui para contar nossas histórias "como elas nunca foram contadas antes". Bom, as histórias bi que elas contam já foram contadas antes, muitas e muitas vezes.
É uma frustração que eu também senti ao ver "Love, Victor", a continuação do amado (porém controverso) "Com Amor, Simon" para o streaming. "Love, Victor" é uma história sobre um jovem gay, e o seu processo complicado de saída do armário para amigos, familiares, e eventualmente sua namorada. Como tal, até é uma boa série, com personagens carismáticos e sensibilidade em suas escolhas de trama - menos quando se trata da bissexualidade.
No começo de "Love, Victor", enquanto explora as possibilidades de sua sexualidade na internet, o protagonista (Michael Cimino) pesquisa sobre bissexualidade e se agarra à possibilidade de adotar o rótulo. É compreensível: para Victor, ser bissexual significaria a possibilidade de não machucar Mia (Rachel Hilson), a referida namorada, e de não "precisar" realmente se assumir para ninguém, já que continuaria em um relacionamento com uma mulher.
Victor na verdade é gay - e a história de muitos homens gays passou, de uma forma ou de outra, pelo "teste" de um rótulo como bissexual antes da saída do armário. Mas trazer essa narrativa sem o contraponto de um personagem bissexual (na própria série ou, sejamos sinceros, em todo o cenário da TV mainstream americana) que realmente afirma suas atrações, demonstrando que há uma vida em que a bissexualidade não é só uma "escala" na viagem para a homossexualidade, é batido, falso e ineficiente como narrativa; além de palpavelmente nocivo como discurso social.
Claro que, se Victor tivesse de fato descoberto que era bissexual, ele teria logo aprendido também que essa história não era tão fácil quanto ele estava pensando. Estar no armário é, também para o bissexual, uma situação psicologicamente insustentável; e sair do armário é, também para o bissexual, uma decisão cheia de potenciais consequências. É se abrir para a invalidação, o apagamento, o exílio de todas as comunidades das quais você se considera parte, e a possibilidade de passar o resto da vida à deriva, procurando por outras.
E essa seria uma história interessante, importante, inédita de se contar, mas "Love, Victor" não quis contá-la. Ninguém realmente quer. A nova era da televisão LGBTIA+ adolescente não está interessada em entender o que é ser bissexual, entender o não-lugar em que ele é colocado, respeitá-lo como indivíduo complexo o bastante para retratá-lo além dos limites previsíveis das narrativas que já ouvimos um milhão de vezes. Não chegamos lá ainda. O jovem bissexual continua desamparado na cultura pop.
Talvez por isso eu guarde "We Are Who We Are" em estima tão mais óbvia na minha memória afetiva do que as outras séries que citei aqui. Ainda que escrita e dirigida por artistas de outras gerações, ela encarna a mesma fluidez de identidade da juventude retratada por "Generation", mas faz um esforço diferente para sair do óbvio na elaboração dessas identidades e das narrativas em que elas estão inseridas.
Assim, a fascinação do protagonista Fraser (Jack Dylan Grazer) pela vizinha Cait (Jordan Kristine Seamón) se entrelaça com naturalidade às explorações adolescentes em que os dois estão engajados. Este é, também, um caso de amor bissexual envolvido no turbilhão emocional da adolescência, e todo mundo aqui se machuca o tempo inteiro - mas a série foge obstinadamente de clichês, oferecendo a validação humana que, no fim das contas, é tudo que qualquer pessoa quer ao ver sua identidade representada na mídia.
A revolução LGBTIA+ da TV adolescente é um desenvolvimento previsível do discurso cultural contemporâneo: a arte está sempre tentando entender as transformações do mundo, e é evidente que a geração-Z está explodindo e ainda vai explodir as (nem tantas) normas que ainda foram deixadas intactas pela geração anterior. É uma adolescência de liberdade indizível para qualquer um que cresceu antes dela, e nós (os veteranos, anciões, arcanos da comunidade) precisamos muito de obras que nos exponham a isso, para que não nos tornemos os reacionários do futuro.
Para fazer esse trabalho com eficiência, no entanto, os criadores de mídia vão precisar pensar fora dos caminhos deixados por seus predecessores, explorar novos territórios e criar novas histórias. Quando se trata de bissexualidade, isso ainda não acontece com tanta frequência quanto deveria.
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